sábado, abril 26, 2014

Acesso à Compilação das Obras de Marx e Engels

O sítio Marxists Internet Archive (MIA), onde estão hospedados textos de inúmeros marxistas, incluindo o Marx e Engels, em várias línguas, exibe há dias a seguinte mensagem:
«Lawrence & Wishart, que detém os direitos de autor [copyright] sobre Compilação de Obras de Marx e Engels (MECW), deram instruções ao Marxists Internet Archive, para apagarem dos os textos provenientes do MECW. Assim a partir de 30 de Abril de 2014, nenhum material do MECW estará disponível em marxists.org Traduções em Inglês de Marx e Engels provenientes de outras fontes continuarão a estar disponíveis.»
Para ser claro, a Lawrence & Wishart não detêm direitos sobre as mais importantes e difundidas obras de Marx e Engels, que continuarão a estar disponíveis; detêm direitos sobre uma compilação de 50 volumes que inclui algumas traduções mais modernas de textos importantes, assim como outras obras, artigos, notas e correspondência. A editora reclama que pretende instituir um modelo de distribuição desta edição (a MECW) que permitirá depois a venda de licenças de acesso a instituições universitárias (e logo o acesso a académicos dessas instituições) e simultaneamente garanta a viabilidade da editora (auto-descrita como publicadora independente radical).

A resposta já surgiu, na forma de uma petição e um apelo ao alojamento da obra em vários sítios espelho (mirror sites) (Um pdf está disponível aqui.) A editora alega que esta medida é necessária para evitar o seu suicídio; e a compilação foi obra do seu investimento (iniciado em 1975 e completado em 2005, como explicado no MIA). Terá sem dúvida alguma razão, pelo menos na questão que coloca: como pode uma editora radical sobreviver se não proteger de alguma forma as suas obras? Como pode financiar o trabalho de investigação, compilação, tradução e edição se não puder garantir depois a venda das suas obras? Embora as questões sejam legítimas, a forma encontrada para garantir a existência da editora não será a melhor e outras alternativas são possíveis, outros modelos de financiamento ou acesso (e.g., imagem em vez de pdf ou texto) que não passem por limitar o acesso aos académicos de universidades que paguem a licença de acesso a obras, negando o acesso aos muitos pelo mundo fora fora das academias (ou membros de academias que não tenham fundos para o fazerem).

Há inúmeras ironias nesta decisão. Duas são particularmente gritantes. Marx viveu a maior parte da sua vida na penúria, nunca logrando grande rendimento da venda dos seus livros, alguns produzidos para uma ampla divulgação como propaganda, mas outros com o intuito de instruir e também lhe dar algum dinheiro. Marx fundou e apoiou inúmeras publicações, muitas vezes com grandes custos financeiros pessoais, e viu a maior parte afundar por problemas de vendas e angariação de fundos. E agora passados mais de cem anos sobre a publicação de obras (e sobre cartas em Marx e Engels trocaram), num momento onde o conhecimento do seu trabalho ganha importância, uma editora pretende condicionar o acesso porque as suas finanças enfrentam problemas, porque o Marx e Engels, e não outras obras que publique, são o seu principal ganha-pão? Parafraseando: que faria Marx?

A segunda ironia é mais simples: o fim do acesso do MECW no MIA inicia-se no dia 1º de Maio.

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