quarta-feira, dezembro 17, 2008

Diz que não disse

É sempre curioso quando um responsável político é obrigado a comer as suas próprias palavras propagandistas e hiperbólicas. Talvez as pronuncie para inspirar confiança, talvez porque nos tome por tolos, talvez para nos enganar, ou talvez porque seja ele mesmo estúpido. Seja qual for o motivo, dá sempre um gozo ver quem se acha intocável, convencido e superior ser obrigado a publicamente contrariar-se. Às vezes justifica-se dizendo que foi mal interpretado (que estúpidos os jornalistas e o público!), ou tirado fora do contexto. Até já tivemos o caso de uma líder político que não poderia ser mais seca e sem sabor dizer que estava a falar ironicamente, quando no seu sangue e face nunca se lhe adivinha qualquer sentido de humor, quanto mais se reconhece capacidade de usar estilos tão subtis como a ironia. E lá muito de de vez em quando, há quem até admita, com humildade que se enganou.

Não foi esse porém o caso do Presidente do Banco de Portugal, Vítor Constâncio. Este nunca se engana. Os números é que podem mudar, e assim mudar as conclusões. A culpa está nos nos números, não em quem os lê e interpreta.

No dia 9, no almoço promovido pela Câmara do Comércio e Indústria Luso-espanhola, afirma à Lusa, que publica as afirmações às 15h14, que "Portugal não está em recessão técnica, a Europa está". Facto desde logo extraordinário. A Europa está em recessão, mas Portugal devido naturalmente à sua economia em notável crescimento, aos seus galopantes níveis de produção, aos níveis de consumo visíveis nas lojas a abarrotar durante o período de natal está saudável. (MFLeite, caso não se tenha dado conta, isto foi ironia).

Mas no mesmo dia, às 16h36, à mesma lusa afirma que "no terceiro trimestre tivemos um crescimento negativo. É possível que no quarto trimestre [Portugal] também tenha um crescimento negativo (...) Do ponto de vista técnico significa uma recessão".

Muito obrigado Sr. Banco de Portugal, com o seu chorudo salário de um quarto de milhão de euros por ano. É que a malta já vem sentido na pele que a coisa não anda bem. Tecnicamente chama-se recessão quando há um crescimento negativo em dois trimestres negativos. Na gíria às vezes chama-se "crise" ("Isto é que vai uma crise", na velha frase de revista). Mas podíamos chamar-lhe Maria Guadalupe: a verdade é que a economia e sociedade portuguesa vai de mal a pior, e a canalha do bloco central de Constâncios, Sócrates, Teixeira dos Santos, Barrosos, Leites e etc. não vêm o mal da raíz: a própria estrutura da nossa economia capitalista, e o seu carácter de intensificação da exploração. Como explicar que no seio da crise, recessão e Maria Guadalupe os ricos estejam tão bem, e a receber apoios do Estado, mas o resto anda a catar centímos para ver se pode passar um Natal festivo.

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